Conforme solicitado #61
Tropa do Scooby
Você que não faz “o desafio dos 5 anos” porque compreende que ao longo desse período perdeu colágeno, ficou calvo e hoje é menos um ser humano e muito mais aquilo que os antigos chamariam de o pó da rabiola;
Você que sente falta da estética noventista “camisa com os Looney Tunes fumando maconha e usando uniforme da NBA”;
Você que largou o gibi do Homem-Aranha durante A Saga do Clone;
Você que execra a política de Joice Hasselmann, mas que talvez tenha um crushzinho nela sim, não adianta negar;
Vocês existem e são valiosos para nós.
Da mesma forma que o apocalipse climático, os impostos e o fato de que o Scooby-Doo invariavelmente iria parar na cozinha de uma mansão mal-assombrada fazendo um lanchinho com o Salsicha, em vez de tentar solucionar o mistério du jour, uma das poucas certezas que você pode ter é a de que nós, da Conforme Solicitado, estaremos sempre no seu e-mail, pontualmente às 08h de toda sexta-feira.
Nesta edição João dá ideias para novos reality shows; Gabriel fala sobre feminismo branco e Arnaldo sugere algumas histórias reais que o cinema poderia adaptar. Além disso, temos cartum, dicas e o diabo a quatro.
Ah, claro, considere pagar algum dos nossos planos de assinatura. Qualquer merreca já deixa a tropa como? Fortona.
Arrasta pra cima, meu pai ausente.
Mais algumas ideias para reality shows inovadores que poderiam alegrar o povo brasileiro
João Luis Jr (Medium: joaoluisjr)
15 dos melhores cozinheiros amadores do Brasil disputando as mais intensas provas, criando os mais variados pratos e sendo eliminados das maneiras mais incompreensíveis. Uma deliciosa entrada que envolve sutis sabores? FORA, SEU ANIMAL IMUNDO. Um prato principal que combina texturas complexas para oferecer ao paladar uma experiência inesquecível? ELIMINADO, BABACA. Uma sobremesa que brinca com o céu da boca, com exóticos tons agridoces? NUNCA MAIS VENHA AQUI, OTÁRIA. Sim, porque nosso corpo de jurados, apesar de parecer composto por chefs profissionais, na verdade é formado por adultos que só comem nuggets, batata frita e macarrão sem molho. Sim, esse é o “MASTER CHEF: PALADAR INFANTIL”.
É um reality show que começa igualzinho ao Esquadrão da Moda, porém ao invés dos apresentadores tentarem consertar o visual da pessoa eles apenas mostram pra ela aquele vídeo dos amigos e familiares falando que ela se veste muito mal e gravam a discussão que acontece depois disso. Ainda não definimos o nome.
10 dos principais influencers digitais que ensinam pessoas a ficar ricas na internet terão seis meses para conseguir um emprego, ascender na empresa e acumular seu primeiro milhão. Seus recursos? Uma hora por dia paga numa lan house de bairro, 30 dias grátis no site Catho e acesso ao RioVagas. Qualquer um pode ficar rico se tiver o mindset certo? Uma pessoa que ganha um salário mínimo consegue mesmo morar, se alimentar e ainda juntar dinheiro pra investir em ações? Não existe pobreza que resista a 14 horas de trabalho por dia? Essas e outras perguntas serão respondidas na primeira temporada de “QUERO VER AGORA, SEU FILHO DA PUTA”, o novo reality do canal GNT.
18 desconhecidos são levados para um estúdio e após cada um assistir um vídeo de cinco minutos do outro e eles terem um jantar de meia hora, precisam assumir publicamente um relacionamento, e dar entrevista juntos em 8 podcasts. Esse é o “NOVENTA MINUTOS PARA CASAR”, apresentado por LUIZA SONSA, com comentários do Loro José que não é o Loro José, mas fica gritando EU QUERO SEXO ao fundo das cenas. Entrevistas sobre término serão todas dadas no Altas Horas, com o pai de ao menos um dos envolvidos presente na plateia.
20 caras são levados para uma residência à beira-mar, sem comunicação com o mundo exterior, e todo dia dois tios de meia idade chegarão através da praia e passarão a residir na casa. Estes homens entre 50 e 60 anos ficarão assistindo futebol, discutindo Fórmula 1, realizando com dificuldade pequenas obras desnecessárias e tentarão fazer churrasqueiras usando objetos da casa mesmo a casa já tendo uma churrasqueira plenamente funcional. De tempos em tempos um deles vai olhar pra um dos caras mais jovens e dizer coisas como “nunca fui com a sua cara”, “sempre achei gay essas suas roupas” ou “você sabe que minha filha até hoje tá bem puta com você, não sabe?”. Esse é o “DE FÉRIAS COM O EX-SOGRO”, exclusivo da Amazon Prime.
10 casais de famosos terão que aprender e realizar coreografias enquanto lutam pela sobrevivência isolados numa ilha onde duas crianças gêmeas estão, por alguma razão, reformando uma casa, tudo isso enquanto precisam impedir que Luciano Huck realize em seus carros alterações que foram solicitadas por seus ex-namorados com quem terminaram de uma forma muito pouco amigável. Essa é a “POWER DANÇA DOS FAMOSOS NO LIMITE KIDS LATA VELHA NA OBRA COM O EX”. Apresentado por Marisa Orth, Tiquinho Soares e o ex-BBB Alemão, portando uma arma, talvez um pouco embriagado, todos falando ao mesmo tempo.
A luta continua
Arnaldo Branco
Potencial de adaptação
Arnaldo Branco (Instagram: @arnaldobranco)
Saiu uma nota na Deadline dizendo que está em andamento um projeto de filme sobre aqueles ricaços que decidiram conhecer os restos mortais do Titanic em um submarino caseiro e acabaram embalados à vácuo em metal. Como alguém disse no twitter, o roteiro provavelmente vai mostrar cinco caras conversando sobre criptomoeda por duas horas e então corta pra trevas. Uma opção legal também podia ser começar logo pelo acidente e depois mostrar o povo na internet zoando.
Então aqui vão algumas ideias para longa-metragem a partir de histórias com ainda menos potencial de adaptação do que a saga imbecil dos Capitão Nemo de araque.
Amor de centavos
A história de amor entre a cantora Luísa Sonza e o especulador virtual descapitalizado Chico Moedas, com todos seus momentos emocionantes — na verdade nem foram muitos, a bagaça durou um mês e meio. No primeiro ato, vemos a troca de mensagens em que Chico mostrou uma singela má vontade para marcar um encontro com a cantora, um obstáculo provisório que ela soube remover — apesar de também representar uma bandeira vermelha que ela preferiu ignorar.
Depois acompanhamos toda a progressão do relacionamento dos dois, vivido discretamente entre entrevistas para podcasts e shows lotados onde Luísa cantava a música que fez pra Chico, quando ele precisava fazer uma cara o de encantamento total senão era julgado por vários leitores autodidatas de expressão facial no twitter.
E finalmente o desfecho apoteótico, com a leitura de uma carta de separação em um programa de TV ao vivo entre um papagaio de borracha e uma gigantesca cuca de banana. Quinze minutos de fama que acabaram em quarenta minutos no banheiro.
Amizade condicional
A trama começa de noite em um quiosque da Barra da Tijuca, quando dois grandes amigos, Bruno De Luca e Kayky Brito, tentam escrever uma peça de teatro, uma pilha bem comum entre atores semi-aposentados que não têm muito mais utilidade para a Rede Globo depois que passam da idade de fazer Malhação.
É um pouco como os filmes do Woody Allen, onde os persongens passam a maior parte do tempo conversando, mas trocando os intelectuais novaiorquinos por dois playboys da Zona Sul que beberam além da conta.
E no final, o plot twist: Kayky é atropelado e Bruno, um sujeito que obteve alguma fama através da manutenção de uma intricada rede de amizades, vai ter um ataque de pânico e abandonar o local sem prestar socorro, prejudicando sua única fonte de renda. É uma parábola sobre a virtude performática e as relações líquidas no século XXI.
Borracha fraca
É sobre a vida de Deltan Dallagnol, um sujeito tão desprovido de carisma que sua apoteose envolveu uma apresentação em power point. Seguiremos sua trajetória, onde sempre foi coadjuvante de um cara que não sabe como funciona o sistema judiciário, apesar de trabalhar como juiz.
Destaque para cena final, quando sua adesão ao Partido Novo é anunciada com pompa e circunstância — infelizmente depois que ele perde seus direitos políticos. É um pouco na linha de Forrest Gump, se o Forrest Gump só tivesse comparecido a eventos medíocres que não entraram para a História.
Air Jordan no pé e correntinha no pescoço
Gabriel Trigueiro (Instagram: gabri_eltrigueiro)
Foi Joaquim Nabuco quem escreveu que a escravidão permaneceria ainda por muito tempo como a característica nacional do Brasil, correto? Errado ele não tava, pelo contrário, mas estamos em um país que teima em apagar um dado bem óbvio e concreto da nossa realidade social e histórica.
Qualquer conversa da sociedade civil brasileira, na verdade qualquer bagulho discutido na esfera pública, deveria lidar com o imperativo moral, e com a urgência intelectual, de que tudo, absolutamente tudo, deveria ser, digamos, racializado no Brasil.
Porque, sim, o que eu tou afirmando nesse momento é isso mesmo: como diria Cornel West, raça importa, e não somente importa, como em um país de base escravagista, qualquer discussão que envolvesse raça deveria ter ascendência sobre absolutamente qualquer outro tópico discutido.
Quando, sei lá, a tradição liberal é discutida, ela não pode ser tomada apenas pelo seu valor de face (um conjunto de ideais emancipatórios de liberdade individual etc.) mas também, e sobretudo, pela sua dimensão histórica adaptada ao contexto nacional — ora caralho, senhores de engenho ligados ao Partido Conservador durante o Império criticavam o argumento abolicionista a partir, guess what, de um léxico liberal e de uma lógica elementar: se o escravo é minha propriedade, e o direito à propriedade é sagrado, logo qualquer tentativa do Estado usurpá-lo é nada menos do que uma tirania a ser combatida.
O que me leva, sim, ao feminismo branco, e a uma tendência bastante incômoda de percebê-lo como validação intelectual e discursiva de punitivismo contra homens pretos. Muitas vezes o que é lido como sororidade é apenas o pacto da branquitude em ação.
Acredite nas vítimas, é claro, mas convém não esquecer Emmett Till e os 5 do Central Park. A representação do homem negro como um predador sexual animalesco data pelo menos da Reconstrução.
Tá aí “O Nascimento de uma Nação”, com os bróder da KKK glorificados como os heróis que iriam salvar/preservar a inocência das mulheres brancas da ameaça dos homens negros, que não me deixa mentir etc.
Angela Davis de “Mulheres, raça e classe” é uma excelente leitura nesse sentido, assim como Amia Srinivasan, de “O direito ao sexo”.
Outra coisa, o que significa a tal da “autoestima do homem hetero”, repetida a três por quatro na internet? Porque, veja, compreendo rigorosamente o que é a autoestima do homem hetero branco. Esse homem hetero precisa ser adjetivado: mas quase nunca é.
Na minha socialização de menino negro que estudou em uma escola de elite, e portanto majoritariamente branca, não era incomum (na verdade dava igual mato) bullying racial feito por alunos brancos e professores brancos.
Racismo institucional, essa máquina de moer autoestima, é um bagulho apresentado a qualquer garoto preto ainda na primeira infância — e pouco importa se ele estudou em uma escola de gente branca.
Até porque se não for na escola, rapidão, mas bem rápido mesmo, ele vai entender como o mundo pode ser hostil diante de alguém com sua aparência física.
Daí toma-lhe de Air Jordan no pé e corrente de ouro no pescoço. Resolve alguma coisa? Nadica de nada, mas cada um se vira com a reparação histórica possível.
Vai na minha
Dicas de consumo do pessoal da redação
Essa me pegou direto nos sentimentos
João Luis Jr.
Tem um tuite do Tyler, the Creator, que eu estava pensando esses dias, que diz “being in love is cool as hell, like having feelings and shit its tight”, e que resume bastante o quanto gostar de alguém pode ser uma experiência transformadora, em termos de tudo que a gente pode sentir, experimentar e descobrir nesse processo. E “Pílulas Azuis”, do quadrinista suiço Frederik Peeters, é um pouco sobre isso.
A narrativa autobiográfica de um cara que se apaixona por uma mulher que vive com HIV, mostra desde suas primeiras interações, quando ele nem imaginava que poderiam se tornar um casal, até a relação já estabelecida, com seus filhos já maiores, acompanhando momentos que vão desde a primeira conversa sobre o vírus até papos com amigos e passeios em família.
É uma história sobre incertezas, preocupações, inseguranças, mas acima de tudo sobre a beleza de encontrar alguém com quem você se conecta, com quem você sente que existe algo diferente, e a busca por construir isso juntos, num processo que tem dias bons e ruins, momentos fáceis e complicados.
E que mostra que é no cuidado com o outro, na atenção com quem a gente gosta, que muitas vezes está um caminho pra se sentir feliz e fazer feliz quem está do nosso lado. E também são discutidas as melhores marcas de camisinha e num dado momento temos animais falantes, mas não acho que esse seja o principal, vamos dizer assim.
Fofoca é a maior diversão
Gabriel Trigueiro
A dica do dia é “Afinal, quem faz os filmes”, um livraço de Peter Bogdanovich, que além de um baita cineasta era também um excelente crítico e historiador do cinema. Nesse livro ele entrevista 16 diretores, entre eles: Robert Aldrich, George Cukor, Howard Hawks, Alfred Hitchcock, Chuck Jones, Fritz Lang, Sidney Lumet, Otto Preminger, Don Siegel, Josef Von Sternberg, Edgar G. Ulmer e Raoul Walsh.
“Afinal, quem faz os filmes” é uma baita história oral do cinema. É muito bonito notar como Bogdanovich vai atrás da galera responsável por criar e dar forma à sétima arte e registra pacientemente seus depoimentos, processos criativos e fofocas, muitas fofocas.
Como quando Howard Hawks virou pro Humphrey Bogart e se referiu a uma modelo até então desconhecida, Lauren Bacall: “We are going to try an interesting thing. You are about the most insolent man on the screen and I'm going to make the girl a little more insolent than you are."
O livro de Bogdanovich tem farto material sobre a Era de Ouro de Hollywood, e aponta as soluções artísticas e autorais encontradas pelos diretores entrevistados ao lidar com um sem-número de problemas do studio system hollywoodiano.
O tom do livro é nostálgico, elegíaco e é quase impossível que ao final da leitura você não se contagie com a paixão absoluta do autor pelo cinema e fique com vontade de mergulhar com força nesse troço — ou com pelo menos aquela vontadinha marota de escrever a respeito.
Hedonismo e decomposição
Arnaldo Branco
Às vezes um filme ganha espectadores através do hype errado — no caso de “Rotting in the sun” (2023), causado pelas cenas de sexo gay explícito salpicadas ao longo da trama pelo diretor chileno Sebastian Silva, que não tem nenhum medo de ser acusado de fazer pornografia gratuita pelo mesmo público moderno que pede coisas como a implementação de um comando nos canais de streaming que possibilite pular trechos com putaria, até a simulada.
As cenas servem à história (não que precisassem), criando um clima de hedonismo de fim de mundo que sublinham o desejo do protagonista — o próprio Sebastian, que faz papel dele mesmo — em cometer suicídio, apesar da sua carreira como cineasta aclamado. Tentando se animar um pouco, ele vai até uma praia de nudismo e pegação onde encontra o influencer Jordan Firstman (também um personagem real, até quanto um influencer pode ser real), que pretende bolar um reality show com Sebastian.
Mas quando os dois vão se encontrar para escrever o projeto no estúdio do diretor, na Cidade do México, Sebastian desaparece. E é aí que começa uma trama de suspense e investigação conduzida por Jordan, um sujeito ao mesmo tempo insuportável e carismático que não consegue dar um passo sem atualizar seus seguidores — e que envolve a diarista que trabalha para Sebastian, magistralmente interpretada pela atriz Catalina Saavedra, um contraponto pé no chão ao mundinho artsy por onde o diretor e influencer circulam.
“Rotting” é filmado de propósito com o desleixo e a urgência de um story do instagram, o que contribui pra que a gente sinta a tontura e a ressaca da vida real — e da sua representação online. Muito bom.