Conforme solicitado #59
O mundo acabando e a gente tendo que ir trabalhar
Cada vez mais estamos convencidos de que a pandemia foi um teste pra descobrir qual seria nossa reação quando o mundo acabasse de verdade, e a gente falhou miseravelmente. Porque se em todo filme de invasão alienígena ou cataclisma causado por meteoro sempre se forma uma rede de apoio global, com as autoridades de países inimigos se unindo em torno de uma ameaça comum, na nossa simulação de apocalipse não teve nada disso. Tudo acabou em divórcio, briga de vizinho e empresario safado querendo que a gente arriscasse a vida pra fazer a economia girar. O que rolou foi justamente o contrário do espírito vamo galera humanidade.
E é por isso que agora, quando começam a chegar os sinais de que o fim do mundo real oficial twitter blue verificado está realmente próximo, reagimos com esse apático apego à rotina: não sobrou muita coisa na humanidade que a gente ache digno de salvar. Nem se dê ao trabalho, Bruce Willis.
E depois dessa introdução otimista vamos meter um publi nojento porque, afinal, o que o dinheiro vai valer mesmo quando as calotas polares derreterem? Portanto considere com carinho assinar a Conforme solicitado (R$ 15 mensal, R$ 150 anual ou R$ 250 anual plus) pra gente poder abastecer nosso bunker com salgadinho torcida e guaraná Tobi.
E dando logo o serviço, nesse número: Arnaldo fala sobre a midiática separação da cantora Luísa Sonza e do, bem, carioca de bigode Chico Moedas; João inventa novos cursos para o velho serviço de educação por correspondência do Instituto Universal Brasileiro e Gabriel fala sobre o The Chris Rock Show, que se você não conhece, deveria.
E bom fim do mundo pra vocês também.
Cinco novos cursos imperdíveis do Instituto Universal Brasileiro
João Luis Jr (Medium: joaoluisjr)
Paulo Guedes e Primo Rico ensinam teoria econômica
Esqueça conceitos ultrapassados como “microeconomia”, “macroeconomia”, “valor”, “oferta” e “demanda” e venha conhecer os dois verdadeiros pilares do pensamento econômico do século XXI: tirar grana de otário e fazer pobre sentir culpa por não ter dinheiro. Com aulas exclusivas oferecidas por um ex-ministro que afirmou que empregada doméstica não tem o direito de ir pra Disney e um influencer que acredita que o pobre só é pobre porque não quer trabalhar 22 horas por dia e fazer o curso dele nas outras duas, nesta masterclass você vai ter acesso a disciplinas como “Ficar rico ensinando a ficar rico sem deixar ninguém rico além de você”, “Gestão pública para ajudar familiares” e “Contratação de figurantes para te agradecer quando você vai ao supermercado”.
Dora Figueiredo ensina organização financeira e direito imobiliário
Vale a pena reformar um imóvel alugado? Como funciona um contrato de locação? O que preciso comunicar ou não ao condomínio do meu prédio antes de instalar uma banheira? Esses são apenas alguns dos temas que a nossa instrutora convidada, a influencer Dora Figueiredo, desconhece completamente. Porém ela tem um sonho e é isso que importa, certo? Serão 8 módulos, 100% interativos, em que você aprenderá tudo que é necessário para investimentos de alto retorno como fazer obra em apartamento que não é seu, tunar carro alugado e chamar encanador pra banheiro químico de evento. Conteúdo totalmente disponível numa plataforma inovadora que não é da Dora mas ela conseguiu por permuta e agora está brigando publicamente com a equipe de TI porque não ficou como ela queria.
Pais da Larissa Manoela ensinam parentalidade financeiramente ativa
Nos dias de hoje, com a internet, redes sociais e tanta violência ao nosso redor, criar meninos e meninas com atenção, carinho e respeito, é uma tarefa muito complicada. Mas ficar com todo o dinheiro que eles possam ter obtido durante a adolescência e até mesmo na vida adulta é uma tarefa mais complicada ainda! E é aí que entram nossos professores Silvana Taques e Gilberto Elias, que irão ensinar a melhor maneira de reter toda a renda gerada pelos seus filhos, sejam eles famosos, semi-famosos ou apenas adolescentes que acharam uma nota de dois reais na rua e por isso pensam que o dinheiro é deles. Com conteúdo didático simples e direto, além de auxílio audiovisual, você irá aprender preceitos básicos da parentalidade financeiramente ativa como impedir que eles tenham acesso ao próprio dinheiro, não deixar ninguém comer milho na praia e, em situações mais pontuais, praticar preconceito religioso contra parceiros e familiares!
Advogado Bolsonarista ensina clássicos da literatura, direito penal e normas da ABNT
Para a construção de um bom texto oficial existem regras. Para realizar formalmente uma citação existem regras. Para apresentar a defesa de um acusado diante de uma alta corte judicial existem regras. Exceto, é claro, se você for bolsonarista, porque aí não existe mais regra nenhuma! Então venha com nosso professor convidado Hery Waldir Kattwinkel, participar de uma divertida viagem pelo mundo da argumentação freestyle e da citação recreativa, onde você aprenderá a defender basicamente qualquer ideia usando como argumento o fato de qualquer pessoa pode ter dito qualquer coisa! Coloque na boca de Jesus Cristo frases ditas pelo atacante Gabriel Jesus! Confunda o desenho Toy Story com a obra de Tolstoi! Transcreva um vídeo de “Marcelinho lendo contos eróticos” e fale que era um trecho de Clarice Lispector, mesmo isso não tendo absolutamente nada a ver com o processo em questão! E não se esqueça, na compra de qualquer um dos nossos cursos você ganha, sem custos adicionais, o webseminário “Gestão de expectativas com Luisa Sonza”, com 4 horas de videoaulas em temas como “Dosando a intensidade amorosa”, “Sinergia comercial em términos” e “Como falar a sério sobre seus sentimentos com um fantoche de papagaio do seu lado”.
Luta desigual
Arnaldo Branco
Castigo pra corno
Arnaldo Branco (Instagram: @arnaldobranco)
O fim do namoro de um mês e meio da cantora Luísa Sonza com o streamer Chico Moedas foi o assunto mais comentado de uma semana em que o direito ao casamento homoafetivo esteve sob ataque e o STF julgou o Marco Temporal — mas mesmo assim todo mundo ficou no twitter agradecendo ao governo Lula pela oportunidade de gastar tempo com um caso de chifre em vez de com coisa séria. Dizem que o preço da liberdade é a eterna vigilância mas pelo jeito a galera tá sem trocado.
Mas calma, eu não vou engrossar o coro do povo que ficou cobrando mais ativismo e menos fofoca, como se rede social fosse lugar de fazer alguma coisa útil pela sociedade. Assim como todo mundo que não tem síndrome de Mahatma Gandhi fiquei fascinado pelo caso, que foi muito bem resumido pelo meu colega de newsletter João Luis Jr:
Todo esse aparato para a leitura de um texto com cara de desabafo bêbado e que bem poderia ter aproveitado o serviço de um revisor deixa a gente desconfiado de que tudo — a hiper divulgada aproximação amorosa do casal, o lançamento de uma canção sobre o namoro e esse final ao mesmo tempo patético e apoteótico — fazia parte de uma ação de marketing para vender um possível disco de separação, uma tradição no mercado fonográfico como os acústicos já foram um dia.
A gente está bem escaldado por todas as vezes em que lotamos o bonde da indignação pra condenar um post equivocado de alguma celebridade e logo depois descobrir que aquilo era só o teaser da campanha de um patrocinador. Hoje em dia é mais difícil repetir o truque.
Mas se houve alguma verdade nesse affair que envolveu umas vinte entrevistas em podcasts, um hit no Spotify e um banheiro de boteco, aprendemos que 1) não existe nenhuma vantagem em fazer alarde de um namoro que mal começou e que só emplacou depois de vários lances de intimação e hesitação entre as partes 2) um homem prefere enfrentar o fandom de uma das cantoras mais populares do país do que ter uma DR para admitir que talvez fosse muito cedo pra assumir o relacionamento.
No fim das contas tudo isso só serviu pra aumentar a fama de trambiqueiro emocional do carioca e convocar pela milionésima vez o debate sobre a possível criminalização da monogamia.
E, claro, para lembrar que pode haver uma relação entre essa exibição performática de adultério e o acordo que arquivou o processo de injúria racial contra a cantora, curiosamente fechado um dia antes do choro em cima de uma gigantesca cuca de banana no programa da Ana Maria Braga.
Aí é como diz a sabedoria popular: todo castigo pra corno é pouco e fogo nos racistas.
Chris Rock antigo era bonzão, mané
Gabriel Trigueiro (Instagram: gabri_eltrigueiro)
Um bagulho que deveria ser mais divulgado, pelo menos aqui no Brasil pouca gente conhece, é o fato de que Chris Rock apresentou um “late-night talk show” na HBO ao longo de 3 anos e 5 temporadas, o “The Chris Rock Show”. “E daí?”, você me pergunta com esses dedão tudo sujo de Domino’s Catuperoni no teclado.
E daí que isso foi entre o final da década de 1990 e início dos anos 2000, um período em que esse formato de programa tinha um tipo, vamos dizer assim, muito específico de apresentador. Penso agora em gente como David Letterman, Jay Leno e Conan O’Brien.
O que todos esses sujeitos têm em comum, além da graça, obviamente? Sim, todos são brancos.
“The Chris Rock Show” foi tão ou mais revolucionário na televisão norte-americana, e no debate racial dos EUA, do que o “Chappelle’s Show”. Mas, verdade seja dita, ambos eram programas bem diferentes. Enquanto o primeiro era um talk show humorístico, com um ou outro esquete, o segundo era um SNL de negros para negros.
Já ia me esquecendo, mas antes desses dois houve o The Arsenio Hall Show, responsável por abrir portas, sem dúvidas, para Rock e Chappelle. Hall, inclusive, é um dos entrevistados do “The Chris Rock Show”.
O programa de Chris Rock contava com gente da pesada no roteiro e na produção (Louis C.K. e Wanda Sykes) e é um negócio bonito, emocionante mesmo, de assistir, porque é um “quem é quem” da excelência negra norte-americana.
No primeiro episódio da primeira temporada, o convidado é Johnnie Cochran, o super advogado negro dos anos 90, especializado em direitos civis e causas raciais, mas também em defender celebridades “controversas”, como Michael Jackson e até O.J. Simpson.
Em um esquete vemos a participação do crítico de jazz Stanley Crouch, cujo livro “Always in Pursuit” já indiquei aqui nos primeiros números desta newsletter. Além disso, o diretor musical do “The Chris Rock Show” era ninguém menos do que Grandmaster Flash. As atrações musicais eram um capítulo à parte: Prince, Erykah Badu, Maxwell, D’Angelo, Outkast, De La Soul e Sade, para citar alguns.
Um aspecto interessante do programa é o conteúdo das piadas — questões de raça e gênero, direitos civis, violência policial, sistema prisional etc., mas, claro, todos esses tópicos discutidos a partir de um filtro noventista, o que pode chocar a sensibilidade contemporânea dos nossos ouvidos progressistas.
Não vou me escorar no clichê de que a misoginia e homofobia das piadas do “The Chris Rock Show” se devem somente ao fato de que pertencem a uma outra época, a um longínquo período histórico etc., porque até hoje o bicho recorre a esse tipo de humor preguiçoso.
De todo modo, seu programa serve como recordação de como o sujeito podia ser um comediante brilhante e sofisticado quando queria. Em uma das piadas, cria um abaixo-assinado fake solicitando a mudança de nome de uma rua em Malibu (de gente branca e rica) para Rua Tupac Shakur, que havia sido assassinado recentemente.
Em outro esquete, divulga um livro (igualmente fake, obviamente) de dicas para dates escrito pelo Ike Turner. Em um dos episódios, usa como gancho o fato de que Elton John havia tocado “Candle in the Wind” no funeral de Lady Di e daí canta uma canção/paródia de homenagem ao ditador Mobutu Sese Seko, da República Democrática do Congo (antigo Zaire), que também havia morrido há pouco.
Em um dos esquetes, inventa uma rivalidade entre os comediantes da Costa Oeste e os da Costa Leste, à moda dos rappers da década de 1990. É o mesmo esquete que tem a frase maravilhosa: “JAMES BROWN NÃO ATIRARIA NOS TEMPTATIONS!”.
Chris Rock tem andado preguiçoso e hoje em dia é mera sombra do gênio que já foi. Valeria a pena se ele mesmo entrasse numas de rever o “The Chris Rock Show”.
Seria, como se diz por aí, as famosas “Aulas”, meu padrinho.
Vai na minha
Dicas de consumo do pessoal da redação
Se for crime gostar de pagode peço que Alexandre de Moraes já emita o mandado de prisão
João Luis Jr.
Existe um dado momento, no filme “Vingadores: Endgame”, em que, logo antes da batalha final contra Thanos, diversos portais começam a se abrir, de onde vão surgindo os mais variados super-heróis, de todos os cantos do universo Marvel, que se aliam aos Vingadores para esse confronto.
E é mais ou menos essa a premissa do disco “Sorriso Eu Gosto No Pagode – Parte 1”, com a diferença de que não são super-heróis e sim expoentes do pagode romântico e que quem vai apanhar não é um vilão nascido numa das luas de Saturno, e sim o seu emocional.
Primeira parte das comemorações de 25 anos do Sorriso Maroto, um dos grupos mais importantes do pagode brasileiro, o álbum foi lançado na semana passada, apresentando metade do show gravado no Jockey Clube do Rio, em junho, e já pode sim ser considerado uma das grandes surras de sentimento que o mercado fonográfico brasileiro ofereceu nessa temporada.
Recheado de clássicos como “Tarde demais”, “Ainda gosto de você”, Disfarça” e “Eu vacilei”, entre outros, o disco conta com participações luxuosas como Xande Pilares (autor de diversos sucessos do grupo), Belo, Ludmilla, Pique Novo e Ferrugem, além de Tiee, Suel, Tá na Mente e Mumuzinho, tudo gente que ou tem muita história pra contar ou está hoje no pico de seu jogo – quando não as duas coisas.
Com uma segunda parte prevista para novembro, o projeto completo contará com 21 participações e reflete não apenas a relevância do grupo para a música brasileira como também a qualidade do repertório que Bruno Cardoso, Sérgio Jr., Cris Oliveira, Vinícius Augusto e Fred Araújo conseguiram reunir em um quarto de década. Agora desculpa que eu vou colocar “Coração deserto” pra tocar e chorar enquanto lavo louça.
Raiva histórica
Arnaldo Branco
Sigo no meu calvário de ter pouco tempo — e confesso, pouca cabeça — para assistir filmes e séries, ler livros ou mesmo prestar atenção no que meu interlocutor está falando bem na minha frente. Assim como todo mundo ainda estou na ressaca pós-pandemia e minha concentração tem demandando o isolamento acústico de um fone de ouvido porque senão meus pensamentos, que parecem estar gritando comigo, tomam conta de toda a minha caixa craniana.
Por isso sigo ouvindo praticamente só podcasts, às vezes me obrigando a voltar várias vezes pra repetir um determinado trecho que deixei passar pensando na morte da bezerra. Mas tem uma produção que não só prende minha atenção como me faz ficar falando sozinho, xingando personagens escrotos do nosso passado e presente denunciados pelo autor, o professor Thiago André: o História Preta.
Na verdade eu já tinha explorado o podcast do Thiago antes, pontualmente, para acompanhar a série sobre João Cândido e a Revolta da chibata, mas agora resolvi ouvir todos os episódios na ordem. Que trabalho excelente — e que desgraça de país o nosso, puta merda.
Thiago junta episódios históricos com a sua própria vivência e traça um panorama do Brasil através de vozes silenciadas e de narrativas esquecidas ou pouco exploradas, e acabamos sentindo uma raiva real pelo tanto de injustiça que nossa população negra sofreu. E, claro, culpa, principalmente quando nos damos conta do tanto de preconceito e desinformação que engolimos por anos, empurrados por eugenistas disfarçados de historiadores.
Sobre o lance de ficar xingando os vilões do podcast é a pura verdade. Inclusive tenho preferido ouvir em casa do que na rua porque muito frequentemente eu solto um “ah mas vai tomar no cu” me referindo a um figurão do século XIX ou algum político contemporâneo, com isso importunando outros transeuntes, que olham feio achando que é com eles. Bom, no fundo é também.
Bonde dos careca
Gabriel Trigueiro
A dica de hoje é “Honeycomb”, o décimo disco solo de Frank Black, mais conhecido como “o vocalista dos Pixies”. “Honeycomb” foi gravado em Nashville, a capital do country, e foi produzido por Jon Tiven — o gênio que já trabalhou com bambas como Arthur Alexander e Curtis Mayfield, para citar alguns.
“Honeycomb” pode ser interpretado como um disco de alt-country ou até de southern soul. Black se reuniu com a fina flor de músicos de estúdio da cena local de Nashville e o resultado é bonito demais: ricas melodias e harmonias do country aliadas à crueza punk do bicho. Escute o dueto dele com sua ex-mulher Jean (na época ainda eram casados), em “Strange Goodbye”, e tente não se emocionar.
Os covers do álbum também foram muito bem selecionados: “Dark End of the Street” (Dan Penn & Chips Moman's), “Sunday Sunny Mill Valley Groove Day” (Doug Sahm) e “Song of the Shrimp" (Roy C. Bennett e Sid Tepper, mas popularizada por Elvis Presley).
Ainda que tenha sido gravado em apenas 4 dias, “Honeycomb” é um disco extremamente forte, consistente e pessoal. E poderia ser resumido a partir daquele velho adágio dos dodói da internet: “reject modernity, embrace tradition”.
Escute, mas evite fazê-lo na fossa, muito bêbado ou depois de um pé na bunda. Quem avisa amigo é.