Conforme solicitado #34
Coldplay e Drake entram num bar…
Tal e qual a banda Coldplay, a gente também já criou uma intimidade contigo que beira o inconveniente – entramos na sua casa e já metemos a mão na sua geladeira, bebemos a sua cerveja e botamos os pés em cima da mesinha de centro. Mas juro que não é por mal, família. Como já disse Jânio Quadros, sei lá se é uma citação apócrifa, “intimidade gera aborrecimento ou filhos”. Como não queremos nenhum dos dois, vamos devagar.
Mas voltando às analogias, tal e qual o cantor Drake, também não gostamos de trabalhar. O que me lembra que o verso “Trabalho é besteira, o negócio é sambar”, do João Nogueira, é o equivalente ao verso “I was looking for a job, and then I found a job” (com aquela inflexão marota e triste no “and then I found a job”), do Morrissey. Méier e Manchester nunca foram tão diferentes assim, quando você para para pensar.
Nesta edição Gabriel escreve sobre BBB; João também sobre BBB e Arnaldo faz um giro de notícias desse Brasil brasileiro. Além disso, temos o cartum do Arnaldo e as dicas da redação.
Não custa lembrar também que cada edição lindona como essa, que agora tens em mãos, custa tempo e, POR CONSEGUINTE, dinheiro. Daí considere, com carinho e generosidade de vó para neto, desembolsar um qualquer para gente, demorou? Nossos planos são R$15,00 por mês; R$150,00 por ano ou ainda R$250,00, se você decidir ser o nosso “velho da lancha”. Vamo que vamo, meu agiota.
Uma defesa do BBB (não que ele precise etc.)
Gabriel Trigueiro (Instagram: @gabri_eltrigueiro)
Com alguma frequência amigos meus que não assistem ao BBB me perguntam o que há de bom, ou de interessante, nesse negócio. Embora o BBB certamente não precise da minha defesa para absolutamente nada, vou tentar desenvolver aqui um argumento que, assim, é menos uma defesa ou uma justificativa acanhada, e mais uma digressão rápida em voz alta sobre esse troço, ok?
Em primeiro lugar, é importante, muito importante, evitar a resposta errada. Eu não assisto BBB “pelos aspectos antropológicos”, nem pelos “insights sociológicos”, ou por qualquer outra resposta chata e pretensiosa desse tipo. Eu assisto BBB porque o bagulho é divertido pra burro. Ponto.
Além disso, nos seus melhores momentos, é grande TV. A capacidade da equipe de edição do programa de criar e montar arcos dramáticos complexos e interessantes deixa qualquer Thelma Schoonmaker no chinelo, vai por mim.
Mas, assim, se por um lado assistir ao BBB à procura de pistas sociológicas é tão bobo quanto, para usar uma imagem de velho, justificar a compra de uma Playboy por causa da entrevista, a verdade é que as pistas sociológicas estão lá. E a tal da casa mais vigiada do país acaba sendo uma câmara de ressonância de questões sociais que estão sendo discutidas fora dela, não tem jeito.
É claro que tem um aspecto moral indiscutivelmente bem cagado em fazer um experimento humano no qual você coloca um monte de gente com probleminha e, ao mesmo tempo, submete essa galera a coisas como “o jogo da discórdia”, festas com quantidades industriais de álcool etc.
Certeza de que daqui a alguns anos o nosso vício nesse tipo de reality será tratado pelas gerações futuras com, no máximo, a condescendência piedosa e impaciente do neto que escuta hoje a sua avó falar de como era legal apostar em rinha de galo durante a juventude.
Isso tudo posto, a edição deste ano do BBB tá especialmente interessante, porque o negócio tem um fôlego literário: é na real quase um romance de formação. E se fosse um romance, teria sido um romance escrito por James Baldwin ou pelo Ta-Nehisi Coates.
Esta é a edição em que há alguém como o Doutor Fred Nicácio: um homem negro, gay, médico e apresentador de TV. O nosso bom doutor, além de bonitão, é um sujeito inteligente e muito articulado. É um cara que já sofreu racismo religioso dentro da casa, mas que não teve medo de chamar as coisas pelo nome.
Num país em que muita gente acredita no mito da democracia racial, Fred Nicácio bateu de frente com seus agressores igual a um trator, foi bonito de ver. A cena em que confronta os três (o caubói, o cara loiro que eu me recuso a gravar o nome e a Key) e aponta a conduta racista deles, já é histórica.
A primeira barreira do racismo é a linguagem. Quando alguém classifica um episódio racista como “gafe”, você tá fodido: porque o seu repertório discursivo já foi subtraído, daí qualquer ação política concreta já se encontra comprometida. Por isso que é importante quando Fred aponta dinâmicas racistas durante o jogo.
Também é engraçada a quantidade de gente que se incomoda com a autoestima elevada do doutor e o classifica como arrogante ou cheio de si. É a galera que tem sempre a expectativa de subserviência quando interage com um negro ou com uma negra.
É a mesma turma, aliás, que tentou de tudo quanto é jeito colar a pecha de angry black man no Ricardo Alface, outro participante desta edição, enquanto se calava com os inúmeros escândalos dados pela loira Bruna Griphao. Segundo o discurso de muitos na casa, Alface é “perigoso”. Bruna é só “intensa”, coitada.
Assistir hoje ao BBB é ter a oportunidade de observar como um monte de discussões e pautas a princípio abstratas impactam, concretamente e de um jeito bem direto, pessoas de carne e osso. Além disso, é também acompanhar um jogo de estratégia complexo e, acima de tudo, profundamente humano.
Campeão moral
Arnaldo Branco
5 sugestões para aumentar a emoção no próximo BBB
João Luis Jr (Medium: joaoluisjr)
(este artigo é uma versão atualizada de um outro, publicado por mim num blog em 2017 e que você já pode ter visto sendo plagiado no Twitter, porque essa é a magia da internet)
# Novas possibilidades de divisão inicial dos quartos para substituir o conceito ultrapassado de “camarote”, onde ficam famosos não tão famosos quanto se esperava e “pipoca”, onde estão desconhecidos bem menos desconhecidos do que se imaginava. Exemplos: quarto “cancelados”, com pessoas já conhecidas por posições escabrosas e atrocidades cometidas versus quarto “fadas sensatas que nunca erraram”, com pessoas queridinhas da internet e famosas por suas boas ações, que apenas durante o programa viriam a emitir opiniões esquisitas e ter um passado nefasto descoberto.
# Maior interação entre a casa e o público, com atividades como: jogo da discórdia onde cada brother ou sister tem acesso a meia hora de conversa com um desafeto de fora da casa de outro brother ou sister; possibilidade de toda semana um familiar de participante gravar para ele uma dica sobre o jogo, porém as dicas seriam embaralhadas e entregues aleatoriamente entre os bbbs; enquetes diárias para escolher uma notícia falsa a ser enviada para a casa, variando desde “descoberta vida fora da Terra” até uma data errada para que os participantes pensem que perderam totalmente a noção do tempo e já estão na casa tem uns 3 anos.
# Tudo começaria de maneira sutil já na primeira semana. Um móvel trocado de posição, uma comida sumindo da geladeira, uma festa anunciada com um tema, realizada com outro, o Tadeu nega que tenha havido qualquer mudança. Na segunda semana começam os sons de martelada durante a noite, as sirenes que tocam em horários aleatórios, um gato preto aparece no confessionário mas some rapidamente. Na terceira semana, durante a noite, um participante apenas desaparece do confinamento, sem paredão, eliminação, nenhum aviso prévio. Os integrantes da produção agem como se ele nunca tivesse existido e negam que houvesse mais uma pessoa na casa. As paredes são pintadas com cores diferentes no meio da noite, durante a manhã abrem a geladeira e dois corvos saem voando de dentro dela.
Durante a festa de sábado, um bode aparece na piscina. Ele tem olhos estranhamente humanos. Uma semana depois, durante a madrugada, surge uma nova pessoa na casa, alegando ser o participante que sumiu, mas totalmente diferente - por exemplo, sumiu um homem negro alto, surge um homem branco baixinho. Ele sabe de tudo que foi dito e conversado antes, porém ele parece esconder um mistério, fala sozinho pelos cantos, está sempre afiando uma faca imaginária enquanto balbucia palavras numa língua desconhecida. Durante o próximo paredão Tadeu Schmidt não diz “boa noite, bróders” mas sim “nos ouça, Cthulhu, venham provar seu sacrifício, deuses antigos”. Final com paredão triplo. O bode continua na piscina, mas agora ele parece sorrir.
# É um BBB normal, porém no primeiro mês, durante todo fim de semana, tem uma festa com show do Jota Quest. Daí no segundo mês, todo dia tem uma festa com show do Jota Quest. No terceiro mês os integrantes do grupo Jota Quest se mudam definitivamente para a casa. Rogério Flausino só se comunica através de trechos das próprias músicas (“Rogério, tá tudo bem?” – “ah, Tadeu, um dia feliz, às vezes é muito raro, falar é complicado, quero uma canção, todo mundo comigoooo”) e eles não competem pelo prêmio, não participam das provas, apenas ficam ali consumindo comida, sujando louça, ocupando aparelho da academia. Sempre que a palavra “fácil” é pronunciada eles começam uma jam session com covers do pop nacional. Toca bastante Capital Inicial também.
# Três casas do bbb seriam montadas e tudo aconteceria normalmente. Prova do líder, paredão, eliminação. As pessoas dentro das casas não sabem disso e acreditam que estão cada uma delas na única casa daquela temporada do Big Brother. Os telespectadores acompanham confusos o triplo de emoções e aventuras, romances e brigas, sem saber o que exatamente as 3 casas significam. Ao final da competição, os 3 vencedores são chamados a um palco, onde Marisa Orth abre um envelope e nele está um número de 1 a 3, que diz qual deles estava na casa que realmente importa.
Sim, os outros 2 ficaram confinados, sobreviveram a paredões pra nada. Todos os telespectadores que votaram e torceram por participantes das outras duas casas fizeram isso durante meses pra nada. Marisa Orth pega o microfone e diz que isso é para que todos aprendam que a vida é um corcel manco e selvagem trotando sem rumo por uma ladeira íngreme que leva do nada a lugar nenhum e nenhum esforço é garantia de recompensa num mundo onde o homem planeja e Deus ri enquanto joga truco mineiro com nossos destinos. Em sua casa, Pedro Bial, sozinho debaixo das cobertas, chora baixinho, coberto de filtro solar. O bode segue na piscina. Ao fundo toca Jota Quest. Nenhum dos integrantes do quarto “cancelados” pagou pensão nos últimos 10 meses.
Giro de notícias
Arnaldo Branco (Instagram: @arnaldobranco)
Muita coisa aconteceu nos últimos dias, apesar do twitter ter se ocupado mais em descobrir qual membro de que banda de heavy metal é nazista (como dizem os gringos, boa sorte com isso) e em cancelar a Tati Bernardi pela bucentésima vez, o que só prova que cancelamento de verdade não existe. Vamos ao nosso giro de notícias:
Diário de um magoado
O escritor Paulo Coelho disse que o terceiro mandato de Lula, que está completando três meses, é patético. Acho que era isso que faltava, a perspectiva de um multimilionário excêntrico que mora na Suíça. Depois descobriram que ele ficou chateado de não ter sido chamado para a cerimônia de posse, mas não quero crer que um cara que tem tanta intimidade com o oculto, que jura que sabe fazer ventar e que consegue atingir uma flecha no alvo com os olhos vendados ia ficar sentido por um motivo tão mundano. Na verdade deve ser coisa de marte em câncer.
O que é bonito é pra se mostrar
A imprensa está tentando de novo emplacar o Sérgio Moro, um pouco como a Globo faz com a Rafa Kalimann. Nos dois casos, a falta de aptidão pra fazer qualquer coisa que atraia o interesse do público não é um impeditivo. Tentaram até fazer um Minority Report onde ele seria a suposta vítima de um atentado que só faria sentido em caso de queima de arquivo. Curioso que decidiram levantar a bola do cara justamente na semana em que surgiram denúncias — acompanhadas de material comprobatório, o que deve parecer uma aberração para um membro da Lava Jato — de chantagem e venda de sentenças contra o ex-ministro da Justiça. Mas nossa imprensa já se debruçou sobre o caso — escondendo ele com o corpo enquanto empina o quadril, gostaram?
Condução coercitiva
Mas não é só a figura do senador maringaense que a imprensa está tentando inflar como se fosse uma bomba de aumento peniano. A volta do ex-presidente Bolsonaro também ganhou destaque; pela cobertura que ganhou no aeroporto parece que ele está vindo pro Brasil no lugar do Drake. A gente vê que até ex tóxico de vez em quando ganha um oi sumido.
Dizem que o criminoso sempre volta ao lugar do crime, mas o Bolsonaro exagerou: queria escolta pra fazer isso. O que é esquisito, porque ele sempre disse que quem não pode sair na rua sem segurança é o Lula. E esse é um caso clássico de Cuidado com o que desejas, pois no caminho para a Papuda certamente Bolsonaro vai conseguir receber o que está pedindo.
Todo dia isso maluco vsf
O Globo publicou a 97.895 pesquisa afirmando que o povo gostaria de ter uma alternativa mais adequada às suas expectativas do que Bolsonaro e Lula, se ela por acaso existisse. Aposto que na próxima enquete os caras vão perguntar se serve uma terceira via gerada pelo ChatGPT.
Vai na minha
Dicas de consumo do pessoal da redação
Rain dogs é foda, e eu não tou falando do disco do Tom Waits não
Gabriel Trigueiro
“Rain Dogs” é mais uma série sobre as aventuras de um adulto com uma criança sidekick – só que dessa vez sem o Pedro Pascal, porque não se pode ter tudo, infelizmente. Dessa vez o inimigo não é nenhuma criatura extraterrestre, nem tampouco gente infectada por cordyceps, mas sim as desigualdades do sistema econômico britânico. “Rain Dogs” é uma coprodução da BBC com a HBO, cuja showrunner (criadora, roteirista e produtora executiva) é a Cash Carraway. Coisa fina.
A série é sobre uma família pouco ortodoxa formada por Costello (Daisy May Cooper), stripper, mãe solo e aspirante a escritora profissional; Selby (Jack Farthing), um homem gay, de família rica, por quem Costello tem uma relação que oscila entre o amor fraterno e romântico, ainda que aparentemente platônico, um sujeito perigoso que acaba de cumprir pena por agressão e Iris (Fleur Tashjian), a filha de Selby: sensível, brilhante e obcecada por Sopranos.
“Rain Dogs” é um lembrete de que histórias de amor, no fim, são ficções que criamos para tornar a nossa vida mais inteligível e menos árida, mas que esse status de ficção é justamente a força, e não a fraqueza, desse negócio todo.
Vamos festejar
Arnaldo Branco
Já tinha motivos de sobra para assistir “Andança”, o documentário sobre Beth Carvalho dirigido por Pedro Bronz: trata-se de uma das melhores cantoras da nossa música; é dona de um dos repertórios mais bem escolhidos do nosso cancioneiro e ainda por cima soube que o filme seria baseado em vídeos e áudios captados pela própria Beth ao longo de sua vida — que foi compartilhada com vários gênios do samba, muitos deles com pouco registro audiovisual.
Mas além disso tinha uma razão muito pessoal: uma vez testemunhei Beth numa dessas missões de filmar sambistas. Foi nos anos noventa, no lendário bar Bip Bip, que recebeu a visita inesperada do ator e compositor Mário Lago, muito celebrado pelos presentes. Quando vi o trailer, fiquei imaginando se esse momento seria usado no longa. Logo nas primeiras cenas, tive a resposta:
Ou seja, queimei a largada e comecei a chorar antes da hora — porque existem muitos momentos propícios para se debulhar vendo o filme: um áudio de Cartola mostrando duas músicas recém escritas: “As rosas não falam” e “O mundo é um moinho”; as primeiras incursões de Beth na quadra da Cacique de Ramos, onde conheceu a turma do pagode que ajudou a descobrir — além de um show com todos eles em 1986, onde a madrinha e seus apadrinhados comemoram o fato de que, uma década depois, todos tinham estourado.
A grandeza de sua arte só encontrava rival na sua generosidade. Vamos festejar Beth Carvalho.
É um pássaro? É um avião? Não, é apenas um bom gibi, não sei como alguém confundiu
João Luis Jr
Um coisa bastante sintomática da época em que a gente vive é o fato de que, quando diretores e roteiristas querem “atualizar” o Super-Homem, tornando o personagem mais “realista” e “acessível”, eles não deixam o kriptoniano de cueca por cima da calça menos poderoso ou tiram toda a parte sobre um bebê alienígena colocado num foguete espacial. O que eles fazem é, na maior parte das vezes, apenas transformar o Super-Homem numa criatura menos gentil, menos empática, mais distante e, num geral, mais arrombada, como que sinalizando que estamos sim preparados para acreditar num cidadão voando e disparando calor pelo olho, mas a partir do instante em que aparecer alguém ajudando o próximo sem esperar nada em troca todo mundo vai falar “AH LÁ, COMEÇOU A MENTIRADA”.
E sendo Supergirl, a prima do Super-Homem, muitas vezes retratada como ainda mais poderosa que o Homem de Aço, porém recebendo bem menos atenção e bem mais interpretações equivocadas, Supergirl: Woman of Tomorrow, com excelente roteiro de Tom King e arte brilhante da brasileira Bilquis Evely é não apenas uma grande vitória para fãs da personagem criada em 1959 mas também para apreciadores do Super-Homem ou mesmo qualquer leitor de HQ que discorde da ideia de que pra tornar um personagem “realista” você só precisa colocar ele matando um monte de gente.
A história de uma garota alienígena que sai numa jornada para vingar a morte de seu pai e vê seu caminho cruzando o da mulher mais poderosa do universo é não apenas uma excelente HQ, como uma trama fechada e acessível para leitores novatos, além de provavelmente ser uma das melhores narrativas já criadas para a personagem, que respeita sua origem trágica - ao contrário de seu primo, que saiu de Krypton ainda bebê, Kara acompanhou toda a destruição do planeta antes de ir pra Terra - sem deixar de lado os aspectos mais caóticos da sua cronologia - ela tem um cavalo que na verdade é um cara com quem ela já namorou, e eu poderia escrever 30 linhas sobre isso mas não vou. Ao menos não agora. Vocês deram sorte, sério.