Conforme solicitado #13
“Sem medo de ser feliiiiiiiz”
Tem aquela máxima de que a primeira piada que te ocorre é melhor que seja descartada, porque é justamente a piada óbvia, a piada clichê, a piada que qualquer um pensaria.
Podem ficar tranquilos, porque aqui somos todos muito engenhosos e sofisticados, imagina. Como diria o John Cleese, naquele esquete sobre o Oscar Wilde dos Monty Python: “There is only one thing in the world worse than being witty, and that is not being witty”.
Faz todo o sentido, e falando nisso, é claro que ninguém aqui vai fazer graça com o fato de que estamos na edição número 13 da Conforme Solicitado, apenas a dois dias de você apertar o 13 com força na urna eletrônica.
Coincidência? Sim, provavelmente sim, mas somos todos velhos e supersticiosos.
Ninguém aqui também vai desejar que você tenha 13 anos de azar, e que se engasgue com um fio dental Oral B e ainda por cima ganhe uma caneca da Imaginarium no amigo oculto da firma, se por acaso não apertar o 13 no domingo. Fica de boa, porque aqui ninguém é disso.
Nesta edição (já disse que é a número 13?), Gabriel Trigueiro escreve sobre o cristianismo brasileiro pós-Olavo de Carvalho; João Luís descreve táticas anti-bolsonaristas extremas, adequadas para lidar com circunstâncias igualmente extremas e Arnaldo Branco comenta as dificuldades que os futuros historiadores terão ao estudar o nosso período, a partir da cobertura atual da grande imprensa. Além disso, temos dicas da redação e cartuns do Arnaldo.
Aproveita, porque essa é a última edição a sair durante o governo dessa halitose sob forma humana chamada Jair Messias Bolsonaro.
Filho feio não tem pai
Gabriel Trigueiro (Instagram: @gabri_eltrigueiro)
Há pouco tempo bolsonaristas bêbados invadiram Aparecida durante a celebração de uma missa. Agrediram fiéis e o Arcebispo Dom Orlando. Fizeram o escambau — tá tudo registrado. Puro suco do olavismo tardio. Mesmo que nenhum dos envolvidos tenha lido Olavo de Carvalho, hoje há uma cultura política discursiva e material criada pelo bicho.
O negócio é mais do que política, é de alguma forma uma estética fascista de movimento e de ação. Olavo falava que quanto mais cristão você fosse, maior seria a sua disposição de ser anticlerical. Argumento, aliás, curiosamente feito primeiro por Bernard Shaw, um socialista fabiano, no prefácio da sua peça sobre Joana D’Arc, de 1923.
Mas, assim, o que eu dizia é que é esse espírito o que anima um sujeito segurando uma cerveja de entrar numas de contestar aos gritos uma missa. No fim das contas, ele se considera um cristão verdadeiro combatendo um impostor, um fariseu.
Aquele broder com a cerveja na mão, aquele que a gente viu no vídeo, se considera alguém cuja fé não tem tempo para o que lhe parece mera liturgia ou protocolo bobo. Ou seja, olavismo puro. Quem conhece sabe.
No início dos anos 2000, alguns blogs de direita por aqui criticavam as modernizações realizadas pelo Concílio Vaticano II. Defendiam, por exemplo, uma liturgia com a missa rezada em latim: com o padre de costas para os fiéis e aquela papagaiada toda.
Nessa época também prosperou a galera sedevacantista: que declara que a Santa Sé está vaga e que o Papa é nada menos do que um impostor. Alguns deles argumentam que o último Papa legítimo foi o Papa Pio XII, outros o Papa João XXIII. Sim, existe essa turma. Hoje eles têm voz. Agradeça ao Olavo de Carvalho e a blogueiros cristãos tradicionalistas, do início dos anos 2000.
O fato é que foi esse caldo cultural olavista, mais ou menos difuso mas constante ao longo de pelo menos duas décadas, o principal responsável por criar episódios como o de Aparecida e até o do tal do “padre de festa junina”.
É sempre bom lembrar publicamente de onde essas coisas vieram, porque por aqui filho feio não costuma ter pai. Mas não tem problema, tal qual o apresentador Ratinho, aqui a gente faz o teste de DNA ao vivo e a cores.
Forte argumento
Arnaldo Branco
Quatro táticas anti-bolsonaristas pra você que já desistiu de virar voto e está disposto a apelar mesmo
João Luis Jr (Medium: @joaoluisjr)
Desinformação clássica: São João se confundiu, a Bíblia traduziu errado e a verdade não libertou ninguém. Pai de menina colou adesivo de candidato que assedia criança, funcionário público tá elogiando projeto de privatização do Paulo Guedes, as agências de checagem de dados tão sendo acusadas de receber dinheiro do PT porque realidade factual virou coisa de marxista. Diante disso você, que nos últimos seis anos achou que fake news era o problema, começou a acreditar cada vez mais que fake news talvez seja a solução.
Então você decidiu mentir. Falou pra sua avó pentecostal que Bolsonaro é maçom satanista, falou pro seu tio homofóbico que o Bolsonaro é do Partido Liberal porque gosta de liberar o bumbum, seu colega da firma falou que o Bolsonaro era o candidato da família e você disse que não apenas era como você e o Bolsonaro se conheceram numa balada na Pedra do Sal e agora vão constituir família juntos. Fez montagem do Carluxo com a Suzane Von Richtofen no paint, editou áudio falso em que o Mourão faz um ASMR erótico para o Flávio Bolsonaro e agora, enquanto seus amigos saem na rua pra distribuir folheto, você está pesquisando ferramentas de deep fake para colocar o rosto do atual presidente no corpo da Gretchen naquele vídeo do Van Damme no Domingo Legal. Vai mudar a eleição? Não vai. Está te causando uma satisfação cada vez maior? Está sim.
Guerrilha cognitiva: fake news é pouco, o que você quer fazer ainda não tem nome. Afinal, se os caras têm o direito de falar que um candidato de, no máximo centro-esquerda, que tem apoio do PSDB paulista e do Henrique Meirelles, vai instituir o comunismo soviético no Brasil durante seu terceiro mandato (sendo que não fez isso nos dois primeiros), você tem todo direito de ter sua teoria conspiratória também.
Portanto quando você explica pro seu cunhado que, tal qual no filme "A outra face", com Nicolas Cage e John Travolta, o Lula sequestrou o Bolsonaro e fez uma cirurgia de troca de rosto, fazendo com que agora o Lula seja o Bolsonaro e o Bolsonaro seja o Lula, então todo voto pro Bolsonaro é na verdade um voto pro Lula e se ele quer votar no Bolsonaro de verdade é no Lula que ele precisa votar, porque agora o Lula é o Bolsonaro e o Bolsonaro é o Lula, a confusão mental que você causa no núcleo bolsonarista da sua família pode não virar nenhum voto mas talvez consiga deixar ao menos uma pessoa tão perturbada que ela vai acabar anulando porque não sabe mais quem é quem. Já foi uma ajuda, não vem falar que não.
Obstrução física básica: você buscou argumentar, você quis dialogar, você mandou links, você enviou reportagens, você posto vídeo no status do whatsapp, você tentou acessar o MSN pra colocar a música "Lula lá" no seu subnick, mas nada deu certo. E se você não pode virar o voto, quem sabe você não possa impedir a pessoa de votar?
Seu tio bolsonarista faz aniversário semana que vem? Procura o pacote mais barato da CVC pra cidade sem opção de voto em trânsito e manda ele e a esposa que usou camisa baby look da seleção no primeiro turno. Seu primo filiado ao Partido Novo? Chama ele pra jantar sábado na sua casa, fala que político é tudo igual mesmo e serve aquele curry que vai deixar o estômago dele mais livre que o livre mercado. Seu avô que até hoje defende a ditadura militar? Esconde os óculos dele, conduz o homem até a garagem e faz ele apertar o 22 numa calculadora bem grande enquanto seu irmão faz o som de tilili. A hora pra sutilezas acabou, ninguém aqui vai te criticar.
Neojanonismo agressivo: sábado a noite grave um vídeo na porta da casa do seu amigo Bolsonarista expondo todos os podres que você sabe dele, amante, desfalque na firma, gato na luz, aquela vez que ele fingiu orgasmo com a esposa pra falar que estava dando duas na mesma noite, poste em todas as redes sociais, envie pra família dele pelo Whatsapp. Com sorte ele vai ter mais coisa pra se preocupar domingo do que a eleição.
Não adianta nem tentar me esquecer
Arnaldo Branco
Zona de rebaixamento
Arnaldo Branco (Instagram: @arnaldobranco)
Tenho pena dos historiadores que vão escrever sobre essa eleição se baseando na cobertura da grande imprensa. Nas últimas semanas Bolsonaro ofendeu nordestinos, criou uma fanfic que o deixou com cara de predador sexual, foi obrigado a desmentir as falas sincericidas do seu ministro da economia e precisou lidar com um aliado que deu tiros de fuzil e atirou granadas em agentes da Polícia Federal achando que essa era uma boa estratégia de vira voto, mas se você analisar os portais parece que a grande crise da campanha foi causada pela falta de posicionamento do Lula sobre a Nicarágua, um país com menos território do que a cidade de Altamira.
Aliás chamar de grande imprensa é um anacronismo, porque vai sair do processo eleitoral ainda menor do que entrou. Ela, que já foi considerada o Quarto Poder, agora influencia menos que alguns youtubers de react. E depois de seu desempenho pífio na denúncia da campanha ilegal de Bolsonaro e na defesa da democracia, pode-se dizer que agora está na zona de rebaixamento dos poderes, disputando pau a pau com com os porteiros de boate e os síndicos de prédio.
A verdade é que imprensa, que finge brigar com o Bolsonaro como se ele fosse o ator que interpreta o vilão em um ringue de luta livre, praticamente depende de sua permanência no poder. Afinal, apanhar do presidente virou seu único ativo, o último vestígio ilusório da sua antiga pertinência.
Sem assinantes, com verba publicitária minguada e com a concorrência das redes sociais, a imprensa não se sustenta mais como uma unidade de negócios. Há muito tempo que um jornal é apenas o house organ da empresa que possui seu espólio.
Essa eleição foi uma oportunidade perdida de resgatar o que já foi seu maior patrimônio, a credibilidade. Mas talvez seja muito pra se pedir de uma instituição que só deseja que você abra uma conta no PagSeguro.
Vai na minha
Dicas de consumo do pessoal da redação
Uma brisa gostosinha demais
Gabriel Trigueiro
Lembro que quando o Caetano Veloso lançou seu disco A Foreign Sound, de 2004, ele deu uma entrevista em que disse que a melhor música popular do mundo era a dos EUA. Logo uma galera contestou, falando da música brasileira e tal, evidente, mas aqui eu gostaria de falar de uma terceira: a jamaicana.
No auge da pandemia, essa coletânea de rocksteady (um gênero nascido em meados da década de 1960, que veio depois do ska e antes do reggae, e tem elementos de jazz e R&B, mas um sotaque evidentemente próprio) da Studio One (a tal da “Motown jamaicana”), me ajudou absurdos e foi fundamental para a minha saúde mental.
O disco se chama Soul Jazz Presents: Studio One Rocksteady. Não é propriamente uma coleção de raridades, mas sim uma curadoria impecável feita a partir da fina flor dos artistas do gênero — The Eternals, The Heptones, Marcia Griffiths, Alton Ellis, esse bonde, você sabe.
Arranjos lindos, letras com refrões assobiáveis, além de harmonias e melodias que te dão um abraço e um cafuné no espírito. É tudo bonito demais: feito pra aquecer o coração e fazer você acreditar em dias melhores.
Funcionou comigo, vai funcionar contigo também.
Filmes estrangeiros que eu queria que tivessem se passado aqui
João Luis Jr
Imagine um Brasil em que a galera realmente decidiu passar a limpo o que aconteceu durante a ditadura militar. Em que tivemos anistia só para os torturados e não também para os torturadores, em que realmente a justiça buscou punir os culpados pelas atrocidades, em que os militares realmente arcaram com algum tipo de consequência por prender, torturar e matar ao invés de terminarem um regime ditatorial e passarem a receber dinheiro público pra ficar prometendo começar outro regime ditatorial a qualquer hora que sentissem vontade.
É esse cenário inimaginável para o brasileiro, que viveu vinte anos sob as botas dos milicos e não apenas não recebeu nem um “foi mal aí, desculpa” como ainda precisa aguentar gente falando que “bom era naquela época em que podiam dar choque no pau nos outros por qualquer motivo e bater em grávida de bobeira”, que você pode ver no filme “Argentina, 1985”, atualmente disponível na Amazon Prime.
Baseado na história real do julgamento das juntas militares responsáveis pela ditadura argentina, o filme mostra a equipe de promotores cuja tarefa era comprovar os crimes do regime e garantir punição para os responsáveis, um processo que envolveu comoção da opinião pública mas também ameaças à equipe de acusação e às testemunhas que tiveram a coragem de depor.
Com mais uma grande atuação do onipresente Ricardo Darín e o foco numa Argentina que buscava se recuperar dos traumas de uma ditadura ainda recente, mas sem deixar de retratar os crimes de que a população tinha sido vítima, “Argentina, 1985” faz pensar no que o Brasil poderia ter sido, mas também nos lembra que nunca é tarde demais para fazer um pouco de justiça e colocar as coisas no lugar (as coisas sendo os militares e o lugar sendo a cadeia).
“Senhores juízes, nunca mais”
Arnaldo Branco
Quando vi a dica do meu amigo João resolvi dar uma sugestão vinculada. Em uma das cenas do filme que ele resenhou (“Argentina, 1985”) o personagem de Ricardo Darín menciona um fato tragicômico durante o julgamento dos generais: o assassinato de um membro de uma ordem de psiquiatras que tinha a mesma sigla de uma organização política de esquerda.
No Brasil tivemos coisas parecidas, como um mandado de prisão expedido para o autor de uma peça de teatro subversiva: Sófocles, morto no ano 405 a.c. Mas um fato muito triste une nossas Histórias: a ditadura argentina “desapareceu” com Tenório Jr., um extraordinário pianista brasileiro que estava fazendo shows por lá em 1976 e foi confundindo com um guerrilheiro.
Embalo, disco lançado por ele no infame ano de 1964 é um daqueles clássicos da hard bossa, geralmente tocado por trios porque era o que cabia no palco das minúsculas boates do Beco das Garrafas. Mas aqui Tenório é acompanhado por um verdadeiro dream team que incluía feras com Milton Banana e Paulo Moura (meio como dizer que Pelé e Maradona estavam na mesma escalação). Ouça e se dê conta do talento que nos foi tomado.
Nunca mais.